Naquele tempo, toda a região que abrangia a Água Vermelha, Aborrecido, Gamela, Passa Quatro, Rio Preto, Rio dos Bois, Buriti, Matoso era coberta por matas virgens, cerrados fechados e campos limpos, e bichos silvestres. Havia pouca gente, distribuída por algumas fazendas já estabelecidas. O único trabalho existente era o desbravamento do sertão, a fim de abrir lavoura e organizar fazendas, com sede, construção de cercas de arame e pastagem para a criação de gado.
Ninguém falava ainda em erigir uma povoação na redondeza, porém o desconforto já se fazia sentir de forma preocupante. Debatia-se a questão da quase inexistência (e da precariedade) de bens e serviços, medicamentos e tecidos para o consumo da população rurícola, bem como produtos de primeira necessidade para o desenvolvimento do trabalho nas fazendas, principalmente arame e sal, que só eram encontrados em localidades distantes. E além do mais, a aquisição desses produtos era dificultada pela falta de estradas e pela ineficiência dos meios de transporte. Estes, os transportes, se faziam no lombo de cavalos ou em carros de bois. Muitas vezes, a pé.
No campo da educação, a grande maioria dos habitantes da região era analfabeta. Não havia escola nem mesmo uma conscientização a respeito do assunto. Aliás, o pensamento generalizado no meio rural do início do século vinte era da inteira desnecessidade do estudo. O que se ouvia dos patriarcas das famílias (por que também eram analfabetos) eram as colocações: “Estudar filho pra quê? Pra tocar roça? Precisa não. Bobagem. Nem eu nem a Maria estudou e nem por isso a gente passa fome! Fulano de tal tá rico, não tá? Pois é, vê se ele estudou? Não foi preciso.”
A saúde era precária. Somente nas cidades como Bonfim, Campo Formoso, Bela Vista, numa distância de beira de oito léguas, que o socorro era buscado. A condução era o lombo do cavalo. Se se precisasse de um médico com urgência, era necessário despachar um emissário puxando um cavalo para proporcionar transporte ao profissional da medicina. Isso se achasse um disponível e com coragem, e saúde, para viajar tão longe, ida e volta. Por causa disso, as pessoas utilizavam os recursos caseiros, como chás, banhos, emplastos, benzimentos, raízes e os serviços dos curandeiros.
As causas das mortes normalmente eram: morte repentina, quando a pessoa morria de repente sem causa conhecida; morte por sangramento, quando não se conseguia estancar o sangue da parturiente ou do acidentado; morte de dor, quando o doente agonizava até o fim sem nada que aplacasse os seus ais; colapso, quando o doente que sofria do coração morria de ataque fulminante (era grande o número de pessoas que morriam de doença de chaga); congestão, se a morte tinha como origem algum mal do estômago. Doenças que podiam causar a morte: crupe, nó na tripa, coqueluche, meningite, paralisia, mordida de cobra e de cachorro doido. Doenças não matadoras, mas muito comuns e que deixavam marcas visíveis: lombriga e papo. Em quase toda casa havia pelo menos uma pessoa que tinha papo. Lombriga, então, era difícil encontrar alguém que não estivesse infetado.
(Do livro SÃO MIGUEL DO PASSA QUATRO - O nascimento de uma cidade, de Elson G. Oliveira)
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